Da ascensão à demissão dos "Blogueiros CLT": Quando o emprego e as redes sociais colidem

Uma nova faceta desse fenômeno apareceu: o incômodo das empresas com quem cria conteúdo, que tem levado inclusive a demissões.

O fenômeno dos "blogueiros CLT", que ganhou força com a popularização de vídeos sobre a rotina de trabalho nas redes sociais, está entrando em uma nova e delicada fase. O que começou como uma forma de conseguir uma renda extra se tornou um motivo de atrito com empresas, levando até a demissões. A situação levanta um debate sobre os limites da exposição pessoal e as responsabilidades corporativas em um mundo cada vez mais digital.

Do diário digital à demissão

A psicóloga Thamiris Castro, de 30 anos, é um exemplo dessa nova realidade. Por quase dois anos, ela trabalhou em presídios no Rio de Janeiro e, em abril do ano passado, decidiu compartilhar curiosidades sobre sua profissão no TikTok. Seus vídeos viralizaram, e ela passou a registrar o dia a dia de forma autêntica. No entanto, em junho deste ano, foi demitida.

Thamiris Castro atuava como psicóloga de presídio e compartilhava a rotina nas redes sociais. Foto: Arquivo Pessoal/Reprodução Redes Sociais/via G1

Thamiris acredita que a exposição nas redes sociais tenha sido o motivo, já que sua chefe a seguiu no TikTok uma semana antes do desligamento. "Nunca recebi advertência, ninguém disse que eu estava errada. Depois que aconteceu, pensei: se fosse um problema, poderiam ter me dado a chance de escolher", lamenta. A psicóloga afirma que teria ajustado o conteúdo se tivesse sido comunicada. "O combinado não sai caro", diz.

O dilema legal e a "lista negra"

Legalmente, as empresas não podem proibir seus funcionários de publicarem em redes sociais. No entanto, o trabalhador também não pode divulgar informações sigilosas ou prejudicar a imagem da companhia. Publicações que afetam a reputação da empresa podem até levar a uma demissão por justa causa.

Esse cenário também expõe o risco de uma "lista negra", onde empregadores compartilham informações sobre funcionários demitidos e os incluem em uma espécie de cadastro informal para não os recontratar. "Essa prática sempre existiu, principalmente com profissionais vistos como 'perigosos' ou 'incômodos demais'. Acho essa prática injusta: o trabalhador tem o direito de errar em uma empresa e dar certo em outra", explica a influenciadora e profissional de marketing Geovanna Pedroso.

Geovanna, que produz conteúdo digital desde 2019, conta que, mesmo sem expor seus empregos, sofreu represálias. "Cheguei a ouvir piadas em reuniões, como: ‘vamos fazer igual à Geovanna, postar uma publi agora, porque se a gente for demitido, pelo menos teremos alguma garantia’.

Renda extra, sem prejuízos

Para a especialista em saúde emocional corporativa Jéssica Palin Martins, a criação de conteúdo é apenas mais uma forma de renda extra, que não deveria ser vista como um problema, desde que não prejudique o desempenho profissional. "Tem gente que vende produtos de beleza, faz bolos no pote, trabalha como garçom à noite. Rede social é só mais uma forma de renda extra. Se não atrapalha a entrega, está tudo certo", explica.

A advogada trabalhista Juliane Facó reforça a necessidade de um equilíbrio. "O que não pode é comprometer a atividade principal, nem gerar concorrência ou danos à imagem da empresa", afirma. Ela também orienta que os funcionários evitem expor informações confidenciais ou a privacidade de colegas e clientes.

A virada de jogo

Apesar dos riscos, a visibilidade nas redes sociais pode abrir novas portas. Yuri Santos, de 23 anos, trabalhava como assistente de social media e aparecia frequentemente nos conteúdos da própria empresa. Após ser desligado, usou seu LinkedIn e Instagram para anunciar a saída, atraindo novas oportunidades. Hoje, já está empregado em uma marca do setor de beleza e mantém uma rotina tripla: o novo emprego, seu perfil pessoal e a administração de uma segunda conta sobre cultura e entretenimento.

"É uma jornada tripla. Gravo nos fins de semana, edito à noite e programo os posts. Às vezes durmo só 1h da manhã para acordar às 6h. Mas eu amo essa rotina", conta Yuri, que ainda não pensa em largar a CLT para ser influenciador em tempo integral.

A história de Yuri mostra que, com planejamento e cautela, é possível harmonizar a vida de funcionário com a de criador de conteúdo. Para as empresas, o desafio é encontrar um ponto de diálogo em vez de adotar medidas drásticas. Para os trabalhadores, a lição é clara: o sucesso nas redes sociais exige um equilíbrio cuidadoso entre a exposição e a preservação da carreira profissional.

Fonte: g1.globo.com

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