Uma nova e exclusiva comunidade rural no interior do Arkansas, destinada apenas a pessoas brancas e heterossexuais, está sob investigação do procurador-geral do estado por possíveis violações das leis de moradia justa. O complexo, chamado Return to the Land, tem enfrentado um intenso escrutínio após a divulgação de seus critérios de admissão, que incluem verificação de antecedentes e um questionário sobre a herança ancestral.
Os fundadores, Eric Orwoll e Peter Csere, afirmam que os candidatos são selecionados em parte com base na etnia. "Ver alguém que não se apresenta como branco pode nos levar, entre outras coisas, a não admitir essa pessoa", disse Orwoll, um dos fundadores do projeto. Ele e Csere alegam que o empreendimento se enquadra nas isenções legais para associações privadas e grupos religiosos.
O co-fundador do empreendimento Eric Orwoll, na área rural de Ravenden, no Arkansas. Foto: Whitten Sabbatini/The New York Times/via Estadão |
O procurador-geral do Arkansas, Tim Griffin, iniciou uma investigação oficial após reportagens sobre a comunidade. "Continuaremos nossa análise deste assunto", disse Jeff LeMaster, diretor de comunicação do órgão, em um comunicado.
Um projeto à margem da lei?
Críticos e especialistas em direitos civis contestam a legalidade da comunidade. ReNika Moore, diretora do programa de justiça racial da União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU), foi enfática ao refutar as alegações dos fundadores. "As leis federais e estaduais, incluindo a Lei de Moradia Justa, proíbem a discriminação habitacional com base em raça, ponto final", disse ela por e-mail. "Reformular a segregação residencial como um 'clube privado' ainda é uma violação clássica da lei federal."
John Relman, um advogado especializado em violações de moradia justa, concorda. Ele afirmou que o grupo pode ser processado com base não apenas na Lei de Moradia Justa de 1968, mas também em diversas seções da Lei de Direitos Civis dos EUA de 1866. "Vocês têm um caso concreto de discriminação intencional", disse.
Os fundadores, no entanto, veem o momento político atual como uma oportunidade de desafiar as leis de moradia e estabelecer um precedente. Peter Simi, professor especialista em violência extremista da Universidade Chapman, observa que extremistas de direita veem "um amigo na Casa Branca, no mais alto nível" e acreditam que a situação legal atual é favorável. "Eles se veem literalmente em vários cargos na administração, incluindo o Departamento de Justiça e o Departamento de Defesa", acrescentou.
Os fundadores e o complexo
A comunidade Return to the Land, que ocupa 647 mil metros quadrados e conta com cerca de 40 moradores, foi fundada em setembro de 2023. Membros da associação privada do grupo, que já arrecadou quase US$ 90 mil, podem comprar ações da sociedade por cerca de US$ 6.600 cada, recebendo em troca aproximadamente 12 mil metros quadrados de terreno.
Os líderes do projeto, Eric Orwoll, um músico de 35 anos, e Peter Csere, um ex-pianista de jazz de 36, têm passados notórios. Orwoll, que se tornou um "acadêmico platônico" no YouTube, disse ter sido influenciado pela teoria da "Grande Substituição", uma teoria da conspiração que defende que populações não brancas irão substituir os brancos. Ele e sua ex-esposa, Caitlin Smith, também fizeram vídeos de sexo ao vivo para o site pornô Chaturbate, algo que Orwoll atribuiu a um período de "niilismo moral".
Especialistas dizem que comunidade ‘só para brancos’ é ilegal, mas criadores acreditam poder vencer nos tribunais no atual clima político do país. Foto: Whitten Sabbatini/The New York Times/via Estadão |
Já Peter Csere foi preso no Equador após esfaquear um mineiro, um ato que ele afirma ter sido em legítima defesa. Ele também é acusado de roubar dezenas de milhares de dólares de uma comunidade vegana local da qual fazia parte, o que ele nega.
Até o momento, não houve contestações legais contra a comunidade, mas o caso no Arkansas pode ser o primeiro de uma batalha que os próprios fundadores admitem estar dispostos a travar. "É melhor que seja agora", disse Orwoll.
Fonte: www.estadao.com.br