A que preço? Por que os EUA pagam tão caro por sua saúde (ou falta dela)

Em 1945, Harry Truman se tornou o primeiro presidente americano a endossar um plano nacional de seguro saúde que o governo pagaria por meio de impostos. Foto: Ilustração/via Freepik/DC Studio

Enquanto a maioria das nações ricas estabelecia sistemas de saúde universais após as devastadoras guerras do século XX, os Estados Unidos permaneceram uma exceção. Mas, afinal, o que impediu o país de garantir acesso à saúde para todos os seus cidadãos?

A resposta remonta ao fim da Segunda Guerra Mundial, quando Harry Truman assumiu a presidência após a morte de Franklin Delano Roosevelt (FDR). Enquanto o "New Deal" de Roosevelt resgatou os EUA da Grande Depressão, a saúde universal não estava incluída. Truman tentou corrigir essa lacuna.

"Ao pensarmos sobre a saúde da nação, devemos reconhecer um fato básico: o custo dos cuidados de saúde é proibitivo para muitos milhões de nosso povo", declarou Truman. Ele propôs o "Fair Deal", que, segundo Jonathan Oberlander, professor de medicina social da Universidade da Carolina do Norte, o tornou o primeiro presidente dos EUA a endossar um plano nacional de seguro saúde. Truman enviou uma mensagem ao Congresso, defendendo a criação de tal legislação.

"Não estou falando apenas sobre os muito pobres ou muito ricos, mas sobre todos os milhões entre eles", esclareceu Truman. "Essas pessoas às vezes são condenadas à morte simplesmente porque não são nem ricas nem pobres o suficiente para se conformarem ao esquema que temos neste país no campo da medicina moderna."

O contraste com o Reino Unido e a proposta de Truman

Na mesma época, o Reino Unido, grande aliado dos EUA, estava lançando seu ambicioso Serviço Nacional de Saúde (NHS), que oferecia atendimento gratuito a todos os cidadãos a partir de 5 de julho de 1948. Embora os conselheiros de Truman se interessassem pelo modelo britânico, o presidente deixou claro que não queria nacionalizar a saúde, mas sim mudar o sistema de pagamento.

O plano de Truman era um programa de seguro obrigatório: todos os trabalhadores pagariam por sua assistência médica por meio de uma mensalidade ou imposto (cerca de 4% da renda). A seguradora então pagaria os hospitais, distribuindo os custos para evitar que os menos favorecidos fossem penalizados. "Há 110 milhões de pessoas neste país que não podem pagar pelos cuidados médicos adequados. Isso é uma pena no país mais rico do mundo", criticou o presidente.

A guerra fria chega à saúde: O medo do socialismo

A ideia de um seguro saúde obrigatório não era nova nos EUA, com tentativas desde 1915, influenciadas por modelos europeus. Os defensores acreditavam que a lógica prevaleceria, mas, como aponta Oberlander, "argumentos sensatos muitas vezes não prevalecem".

Um dos principais obstáculos foi a oposição ferrenha dos médicos. Eles temiam perder sua autonomia profissional e financeira, não querendo se subordinar a seguradoras públicas ou privadas. Em 1946, com os Republicanos no controle do Congresso, o projeto foi arquivado.

Truman consegue reeleição para presidente para o terror dos médicos. Foto: Reprodução/Getty Image/via BBC

Contudo, em 1948, Truman reconquistou o Congresso e a presidência, fazendo da saúde um pilar de sua campanha, vinculando-a à prosperidade e à paz. "Melhor saúde significará mais prosperidade e uma nação mais poderosa. É nossa responsabilidade liderar o mundo em direção à paz duradoura", afirmou.

A vitória de Truman em 1948 foi um choque para a Associação Médica Americana (AMA), que via o seguro saúde nacional como "a chegada do apocalipse". A AMA contratou uma empresa de relações públicas, que, no contexto da Guerra Fria, ligou o seguro saúde ao socialismo. Uma citação falsamente atribuída a Lênin – "a medicina socializada é a chave para o arco do Estado socialista" – foi amplamente divulgada, pintando o plano de saúde como parte de uma conspiração comunista. Essa foi a campanha de lobby mais cara da época, transformando o debate sobre saúde em uma questão ideológica.

Racismo e a derrota de um ideal

Apesar do governo Truman tentar refutar as acusações, a principal razão para o fracasso da legislação foi a "coalizão conservadora" no Congresso. Esta aliança de Republicanos e Democratas do sul – muitos deles conservadores devido à não representação afro-americana na época – bloqueou não apenas o seguro saúde nacional, mas também outros planos de Truman. "Como em tantas ocasiões, quando você explica a história americana, o papel do racismo é parte dessa história", ressalta Oberlander.

A batalha foi perdida. Somente em 1965 foi aprovado o Medicare, o primeiro plano parcial de seguro governamental, destinado aos idosos.

Hoje, a visão de Truman de cobertura universal, tratando a saúde como um direito humano, ainda está longe da realidade americana. "O que temos nos Estados Unidos não é um sistema de seguro saúde, mas um não sistema", explica Oberlander. Ele conclui que, apesar da riqueza do país, o custo humano das doenças para muitas famílias é devastador, algo que "não deveria ser assim".

Fonte: www.bbc.com

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