Aos 43 anos, escritora descobre autismo após buscar diagnóstico para o filho e se liberta de "máscaras"

A escritora escreveu um livro sobre a sua vivencia. Foto: Reprodução/Arquivo pessoal/via Metrópoles

Aline Campos, escritora e servidora pública de Brasília, viveu por 43 anos com a sensação de não se encaixar. Dificuldades na escola, problemas sociais e uma hipersensibilidade a estímulos eram parte de seu cotidiano, mas nunca foram identificados como sinais de autismo. A revelação veio de forma inesperada, ao buscar respostas para o filho, João, então com seis anos.

Durante a avaliação clínica do menino, a neuropsicóloga olhou para Aline e fez a observação que mudaria sua vida: "Você é autista clássica". "Foi um choque para mim, mas tudo fez sentido", relembra a moradora de Brasília. O diagnóstico trouxe um novo olhar para décadas de angústias e sentimentos de inadequação. "Consegui nomear tudo que tinha vivido. Hoje, não tenho mais esse sentimento de que sou errada. O diagnóstico foi libertador de todas as maneiras", resume.

O lado invisível do autismo feminino

O caso de Aline ilustra a realidade de milhares de mulheres que recebem diagnósticos tardios. Embora o Censo 2022 aponte que 2,4 milhões de brasileiros vivem com autismo, com maior prevalência entre homens, especialistas alertam para a subnotificação em meninas e mulheres. A neuropsicopedagoga Silvia Kelly Bosi explica que o diagnóstico feminino é muitas vezes atravessado por vieses de gênero. "As meninas desenvolvem, desde muito cedo, estratégias de camuflagem social para se adaptar, o que mascara os sinais e atrasa a busca por ajuda", afirma.

Essa habilidade, chamada de masking, faz com que comportamentos como dificuldades de socialização e seletividade alimentar passem despercebidos. O resultado são mulheres que acumulam rótulos como "ansiosas", "sensíveis demais" ou "desatentas", sem acesso ao diagnóstico correto.

Uma vida de sinais ignorados

Ao reavaliar sua história, Aline reconhece diversos sinais que foram mal interpretados na infância e adolescência. A seletividade alimentar, por exemplo, era tão severa que até os 11 anos ela praticamente só tomava leite. "Eu não comia nada, nada. Fui a vários pediatras para tentar entender o problema, mas ninguém desconfiou do autismo", conta.

Além disso, ela enfrentou dificuldades de fala, problemas de coordenação motora fina e sentia-se "burra" na escola, quando na verdade tinha discalculia — um transtorno de aprendizagem relacionado à matemática. Para se adaptar aos padrões sociais, ela usava "máscaras" que geravam uma exaustão emocional "gigantesca".

A neuropsiquiatra Gesika Amorim reforça que o autismo feminino é frequentemente confundido com outros transtornos. "Essas mulheres são tratadas como bipolares, depressivas ou histéricas, quando, na verdade, vivem um quadro não reconhecido", explica. Ela destaca que o diagnóstico adequado requer uma avaliação neuropsicológica por profissionais experientes em TEA (Transtorno do Espectro Autista).

O diagnóstico como divisor de águas

Apesar do alívio pessoal, a descoberta do autismo não eliminou os desafios. Aline enfrentou descrença e preconceito de outras pessoas. "As pessoas infelizmente invalidam o seu diagnóstico o tempo todo. Escuto até hoje várias piadas, mas não fico mais calada", desabafa.

No entanto, o diagnóstico foi um divisor de águas. Ele a impulsionou a se tornar uma referência em educação para inclusão, escrever livros e criar novos métodos de aprendizagem. Mais importante, a ajudou a entender a si mesma e a guiar o filho por um caminho mais consciente. "Hoje, busco qualidade de vida. Encontrei a minha essência e posso ajudar o João a não precisar usar as máscaras que eu usei", conclui Aline, que hoje ajuda outras famílias a se libertarem dos mesmos estigmas.

Fonte: www.metropoles.com

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