O impulso inesperado da Apple para a ascensão industrial chinesa

Por acidente a Apple criou o monstro engoliu o mercado. Foto: Ilustração/Reuters/Nikkei Asia

A China se tornou uma potência industrial e, mais recentemente, uma líder global na produção de veículos elétricos. Essa ascensão notável, como apontado pelo Xataca Brasil, teve um catalisador surpreendente: a Apple. Embora não fosse a intenção direta da gigante da tecnologia, seus investimentos e práticas moldaram significativamente o cenário industrial chinês. "Parece completamente maluco, é verdade, mas foi exatamente isso que aconteceu", admitiu Patrick McGee, ex-correspondente do Financial Times, em entrevista a Jon Stewart no The Daily Show.

Hoje, é difícil encontrar um produto que não seja total ou parcialmente fabricado na China. Essa onipresença não é por acaso, e a Apple desempenhou um papel crucial em sua consolidação.

Os bilhões da Apple e a formação da mão de obra chinesa

No início dos anos 2000, a Apple enfrentava um grande desafio com a produção do iMac G4, lançado em 2002. As peças vinham de até seis países asiáticos diferentes, tornando o processo lento, custoso e inviável para o ambicioso projeto. A partir desse ponto, a Apple iniciou um investimento massivo na China.

A empresa não apenas aportou bilhões, mas também financiou e capacitou milhões de trabalhadores chineses, moldando o modelo industrial do país no campo das novas tecnologias. A China oferecia uma vasta e maleável mão de obra, disposta a cumprir prazos desafiadores. O que faltava era o conhecimento técnico, e a Apple o forneceu.

Entre 2016 e 2021, a Apple investiu US$ 275 bilhões na China, profissionalizando cerca de 28 milhões de pessoas, incluindo operários, engenheiros e gerentes. Esse investimento monumental cobriu desde o maquinário e as ferramentas até o treinamento dos trabalhadores que produzem iPhones e outros produtos da marca. A empresa americana não apenas contratou terceiros para fabricar seus produtos, mas também financiou as próprias fábricas, suas máquinas e a capacitação de seus funcionários.

O "dia do consumidor" de 2013 e a rasteira na Apple

Em 2013, o Consumer Day chinês – um evento anual, comemorado no dia 15 de março, que destaca a empresa estrangeira que mais prejudicou os consumidores locais – teve a Apple como alvo. Como resultado as vendas da empresa no país despencaram.

Para reverter essa situação desfavorável, a Apple teve uma ideia estratégica: demonstrar ao país o volume de seus investimentos em infraestrutura e na capacitação da mão de obra. Essa iniciativa foi, ironicamente, o "empurrão final" para o mercado chinês perceber seu próprio potencial, um potencial que foi, em grande parte, financiado por uma empresa estrangeira de um país com quem a China hoje mantém relações complexas.

A Apple ensinou aos futuros fabricantes de celulares como criar bons produtos, compartilhando conhecimento e experiência em áreas como produção de baterias, tecnologias de precisão e fabricação de microchips. No altamente competitivo mercado chinês, essa expertise se espalhou rapidamente. Não por acaso, 55% do mercado mundial de smartphones hoje é dominado por marcas chinesas como Oppo, Huawei e Xiaomi.

De smartphones a carros elétricos: A evolução da indústria chinesa

Um veículo elétrico, em sua essência, não é tão diferente de um smartphone com rodas. A capacidade de fabricar eletrônicos de alta precisão foi um trampolim para a indústria automobilística. Hoje, empresas como Xiaomi e Huawei produzem seus próprios carros elétricos, além de smartphones, televisores e aspiradores.

O vultoso investimento da Apple na China não só impulsionou, mas também moldou a indústria chinesa de alto valor agregado. Tanto que, ao estabelecer sua fábrica em Xangai, a Tesla buscou majoritariamente profissionais com experiência na Apple ou em seus fornecedores para replicar os mesmos métodos de produção, conforme garante McGee.

O resultado que vemos hoje não é apenas fruto do investimento massivo da Apple, mas também de uma visão de estado, iniciada por Deng Xiaoping nos anos 80 e acelerada por Xi Jinping desde sua ascensão ao poder. O ocidente buscou a China para fabricar produtos baratos, e acabou ensinando-a a fazer. Agora, o "aluno" superou o "mestre" e quer sua própria fatia do bolo global.

Lições da história: Não repita o passado

A história de investimentos estrangeiros na China, que resultam em transferência de conhecimento e capacitação, não é nova, embora a escala da Apple tenha sido sem precedentes. Nos anos 80, por exemplo, a American Motors Company (AMC) formou uma joint venture com a chinesa BAIC em 1983. A AMC investiu US$ 16 milhões, metade em tecnologia e equipamentos, resultando na fabricação do Jeep Cherokee XJ, o primeiro modelo ocidental produzido na China comunista. No ano seguinte, o Grupo Volkswagen se uniu à SAIC (atual dona da MG), criando a Volkswagen Shanghai. Atualmente, a Volkswagen possui 39 fábricas e 90 mil funcionários na China.

Muitos ainda veem produtos chineses como de baixa qualidade ou meras cópias. No entanto, a verdade é que as empresas chinesas estão, em grande parte, aplicando e aprimorando o conhecimento que lhes foi transferido. O que o ocidente ensinou, a China agora executa com maestria e em escala global.

Fonte: www.xataka.com.br

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